quinta-feira, fevereiro 06, 2014

Sobre o fim que não foi nosso

  Ela estava lá. Olhava fixamente para um ponto que deixava seus olhos baixos, quase cerrados. Sentada no banco, com pés afastados, os joelhos encostados e os cotovelos sobre eles. O cabelo estava solto e ventava lentamente pro lado oposto ao de sua franja...só a franja se mexia. Era como se até o vento tentasse fazê-la reagir, mas o esforço seguia inútil.
  Por ali, ele a observava. Queria ter um pensamento com o sorriso dela sob o sol se pondo, numa lembrança amarelada, como na fotografia dos filmes franceses que parecem feitos pra ela. Esforçou-se, mas não construiu nada muito nítido, estava preocupado com toda mágoa que ela carregava no olhar. Torcia pelo sucesso do vento, mas nada acontecia. Decidiu, depois de muito custo, sentar-se também.

    - Sabe o qual é a escolha mais difícil do mundo? Como conhecer alguém do zero. É como uma frase do Fernando Sabino que me perseguiu por toda vida: "O diabo dessa vida é que de cem caminhos temos que escolher apenas um e viver com a nostalgia dos outros noventa e nove." Posso aqui falar de uma preferência minha, do calor do dia de hoje, de problemas políticos, Deus, amor, pessoas, violência... São infinitas possibilidades de assuntos diferentes que te provocarão reações diferentes, mas tenho que escolher um. O que fizer aqui, comandará o futuro de nós dois. É muita responsabilidade, não acha?

    - É. É como se fôssemos um papel em branco, e cada pessoa que conhecêssemos fizesse uma marca, sempre acrescentando algo, mesmo que tédio. Não te ocorre que quanto mais pessoas conhecemos, mais e mais marcas, e um dia ficará difícil distinguir todas elas? Ou pior, chegará um dia em que não haverá mais espaços em branco? Você acha possível alguém deixar tantas marcas em você e não sobrar espaço para mais ninguém? Com o tempo, vamos ficando mais e mais desgastados.

    - Acho possível sim.

    - E você acha possível a pessoa marcada não conseguir fazer as mesmas marcas em quem a marcou?

    - Humm..Deixa eu pensar...

    - É isso. Fui muito marcada e não soube fazer marcas. Dos cem caminhos que tive pra escolher, devo ter escolhido um bem imbecil. Então, não se preocupe tanto se escolher errado agora, eu sou a pessoa mais empática que você pode encontrar por aqui. 

    - Mas você tem certeza de que não deixou marcas?

    - Ele me deixou ir embora.

    - Talvez ao te olhar pela primeira vez, para ele foi como olhar pra um espelho, sem poder controlar o reflexo. Tudo o que você fazia era tão certo pra ele, tão único, intenso, colorido, que se desesperou. Teve medo de seguir com aquilo e não conseguir mais surpreender você, acompanhar você. Então ele procurava indícios de um possível abandono seu em qualquer coisa: Um abraço mais frouxo, um bom dia menos expressivo, um beijo apressado. Tanto amor deve ter convencido sua cabeça, ficou com medo de sufocá-la... Vai ver gostar de alguém era novo pra ele. Temeu até perder sua maneira de ver o mundo por adorar ver tudo através dos seus olhos. O que aconteceu, foi que sua marca foi tão forte, que acabou rasgando o papel.

    - Mas eu nunca quis machucar ninguém.

    - Não machucou, ensinou... Aprender às vezes dói. Dói deixar de ser inteiro para se dividir em dois.

Finalmente ela o encara nos olhos, ele treme. Ela parece conhecer sua alma. Respiram.

    - Eu vim te buscar. Volta pra casa? 

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