domingo, dezembro 13, 2015

Amanhece no fundo do mar



                                               ("Solidão é uma ilha com saudade do barco" - Adriana Falcão)

Passei o dia com muito o que queria te falar engasgado na garganta. Deu-se em mim um tédio de tudo, como se não pertencesse a lugar algum nesse domingo lento. Eu precisava sair, ver gente, respirar ao ar livre, talvez até conversar com alguém novo... Mas fazer isso seria violentar-me. Eu não sei como reagiria, há muito para explicar, expor, há muito para se conhecer e há também uma total ausência de ânimo pra isso.

Eis que vi, passando pelos canais da TV, uma matéria sobre os destroços de um navio enorme que foi recentemente encontrado e o porquê de seu naufrágio seguia indecifrável. Pelas imagens, ficava claro que ninguém passava por lá há tempos... Havia uma história sendo apagada ali.

Engraçado...Um dia, aquele mesmo navio foi real. Carregava muita história, muita vida; tinha um plano traçado e seguia seu rumo. Até que não mais. Até, que por razões hoje desconhecidas, sucumbiu. Até que um dia, tornou-se apenas um amontoado de tralhas afundado e esquecido num canto do mundo.

Bom, o que eu queria dizer é: Não é louco que, num dia qualquer, sem motivo especial, tragam esse caso de volta às notícias?
Emerge-se o navio. Toda trama volta à tona, forte e cercada de mistérios. Regenera-se toda a existência perdida daquela matéria desmemoriada que ninguém sabe como acabou. Se bem que ao ser aflorado, não acabou por completo, não é mesmo? Eu não sei. Aquilo me pareceu tão vivo hoje, que senti que se você também quisesse, talvez o navio pudesse até voltar a navegar.

quinta-feira, outubro 22, 2015

Não me desculpe por te amar.



Se tem algo bom que aprendi nessa constante entrega à arte ao longo desses humildes 22 anos, foi que não devo me desculpar pelo o que eu sinto. Eu não devo me CULPAR pelo o que eu sinto...

Desconfio que grande parte dessas frustrações, dessa insatisfação com tudo e todos, dessa carência em aprender a ouvir e essa mágoa que nos assola, vêm desses sofrimentos velados.

Você, enquanto cresce, torna-se parte do pacto social de "não fazer o papel de ...", de "você tinha de ter pensado e feito isso" de "se você chorar você vai estar parecendo fraca, dramática" de " não, deixa isso pra lá..." e pronto: Aos poucos se transforma num molde -mudo- da normalidade.
Eu sou contra a acomodação sentimental, muito embora não esteja totalmente livre dela. No entanto, eu sei que não há certo e errado quando sou eu que estou sentindo... Se a dor é minha, expresso-a como posso. Se a alegria é minha, tenho todo direito de fazer o que eu quiser com ela... Assim como não busco premeditações sentimentais em terceiros.

Os emudecidos pela normalidade são seres altamente raivosos. A relação construída em meio a um caos de mágoa está pronta pra explodir ao menor sinal de turbulência. E como isso desgasta...

Desgasta eu gostar de você e não poder te falar, desgasta estarmos bem enquanto você não superou de verdade algum erro que eu cometi. - Se as desculpas não valeram, volte, exponha-se, deixa sangrar! Não esconda essa ocasião num canto da memória pra mais tarde escancará-la numa nostalgia de dores.- Desgasta não poder dizer que ainda penso sobre aquilo, que dói, que preciso das suas desculpas... E que agora o que eu sinto latente em mim, talvez não seja o que todos aconselham ser o melhor a se pensar e sentir. Desgasta não ser lembrada como um ser passível ao erro, visto que você também é.
-Corrói toda a amabilidade do mundo essa cultura de doutrinar sentimentos. -

Esse texto não tem um motivo específico, não tem "moral da história". Esse texto (pra quem o ler até o fim), é só pra dizer que eu não me sinto culpada por sentir, eu não me sinto constrangida por demonstrar. Que eu posso e quero aprender a ouvir melhor, eu jamais quero ser alguém irredutível. Que eu reconheço um mistério diferente dentro de cada um e que eu não consigo ser igual a ninguém.
Talvez esse texto exista só para lembrar-nos que não há uma outra vida, um grande dia especial em que possamos conciliar todos esses nós na garganta. Só há esta passagem de futuro impreciso para reforçarmos o amor que temos a quem amamos...Eu não posso deixar para te dizer depois que te admiro, que sinto muito, que reconheço seu esforço, que estou com saudades... Porque o depois não me pertence. E não há nada de mal em sentir, o que intoxica é acobertar.

Na verdade, eu só queria dizer que nunca vou me arrepender do que sinto,  porque os sentimentos são legítimos.
Eu nunca vou pedir desculpas por te amar.

domingo, setembro 20, 2015

Subterfúgio n•2

Você que me vê 
De algum lugar do teu forte, seguro 
De algum lugar do teu "medo de tudo"
Com o mundo ao teus pés 
e os olhos nas janelas da noite. 
E eu que te vejo
De algum lugar, perdida, no escuro
Dia mais dia ouvindo esse grito mudo
De que "está tudo bem, mas..."
"Mas, e se, enfim..."
E assim, não te deixo ir embora 
Embora, sabemos, já passou da hora. 
E fica
Fica 
Não vai... 
Como o passado não passa?
Eu procuro os sinais
E encontro fantasias bonitas
Qualquer placebo me satisfaz. 
A culpa é sua?
A culpa é minha!
Você não me vê... 
É só uma ideia bonita que eu guardei 
Do que costumava saber de você.

quinta-feira, setembro 10, 2015

Não era uma noite tão bonita. Estava acostumada ao ambiente, e a princípio nada havia ali que merecesse uma atenção especial. O lugar era alto, constantemente iluminado e ficava pela passagem de muita gente. 

Em meio às idas e vindas de todos aqueles corpos estranhos, estava uma mulher. Ela parecia petrificada, apoiando-se no parapeito e o olhar catatônico rumo à paisagem.

É curioso como muitos atribuem charme à tristeza, principalmente se ela está estampada no rosto de uma mulher... Talvez o mistério nos olhos de alguém que sofre em silêncio desperte a curiosidade e a empatia do observador desconhecido. Talvez seja instigante ver a vulnerabilidade imóvel diante de um possível "herói". Talvez seja só confortante ver a incompletude de um ser... Afinal, há alguma alma ilesa à dor de existir?  

Ela não parecia comprometida com o tempo. Não havia qualquer sinal de planos para acabar com aquele instante. Nada que a fizesse recobrar a consciência e abandonar aquela contemplação... Permanecia imóvel. 

Decidi então me aproximar. O que será que havia de tão especial à vista que roubou aquela mulher pra si? A resposta era grandiosa. 

Uma imensidão. O mar, os barcos, a areia. Na rua as luzes dos carros, que pareciam dançar ao cursarem seus caminhos. E ventava muito, um vento úmido que anunciava a chuva que estava por vir. Havia prédios, cores, árvores... Havia bichos, gritos, velhos, crianças, namorados, solitários, música, buzinas... Havia a mente de todas aquelas pessoas, a história de tudo o que os olhos alcançavam... e o mistério além dos olhos....
Havia nada menos que tudo.  

Foi então que eu pude sentir o que a mulher fazia ali: Ela sabia que ela era o céu, o mar, as pessoas, as cores, os barulhos. Ela também era o vento e a chuva que não demoraria.. Ela era o sol e a lua escondidos e todos os planetas e estrelas que a presentearam com peixes... Ela contemplava a si e a vida, porque ela era toda aquela vida, mesmo que a vida não soubesse quem ela era. Mas tudo bem, ela também não sabia. 

Mesmo pequena diante da imensidão , suas dúvidas, anseios, dores, melancolias, amores...ela era o mundo. Fosse quem fosse, sentisse o que sentisse, ela era parte da arte da vida. Era parte de todo o mistério do universo que estava ali. 

Estava inundada de tudo naquele momento... Foi quando olhei pros olhos cheios de lágrimas daquela mulher e sequei o meu rosto. 
Aquela mulher era eu. 





quarta-feira, julho 15, 2015

Comedir-se

Perco as linhas
E os espaços
A letra já não é mais
A mesma
E a pessoa?
Quem será?

Num corpo translúcido
Os pontos pretos manuais
Angústias cercadas
Dos cuidados morais
Orquestrando obrigações diárias:
- Ela é normal!
- Que alívio!

Liberdade encarcerada
De qualquer alegria
Eu desconfio
Poucas conquistas
Nas mãos erradas
E não se pode dar um pio:
- Como ela é forte!
- Sem rancores, que alívio!

Há poucas certezas
Todas por um triz
E atrás do sorriso
Suave
Feliz
Os pontos finais
triplicados
... ... ...
... ...
...

Ou os últimos:
Entorturados
,

segunda-feira, janeiro 26, 2015

Sob as nuvens

- Eu quero ir embora....
- Quero fugir.
- Há pássaros demais nesse lugar.
- E vozes por todo lado...
- É, também ouço.
- Senti falta dos teus olhos azuis.
- Cinzas.
- Sim. Até te escrevi um poema.
- Mas você só escreve quando está triste!
- Quem disse?
- Você disse
- Ah, é. Mas te amar não é sempre feliz.
- Quem disse?
- Você disse.
- Ah, é. E como sabes que me amas?
- Eu sinto. É como se estivesse à beira de um penhasco, com um pé no chão e o outro no desfiladeiro, tocando o ar.
- Ah. Espero que o vento seja agradável lá em cima.
- O vento vem como música...
- Se teu beijo fosse música, seria um desses clássicos em que se pode ouvir um campo com flores.
- Se teu beijo fosse vento, seria um vendaval.
- Agradeço.
- Não há de que.
- Tenho medo de você me deixar.
- Tenho medo de te deixar.
- Acho que se você for mesmo embora, vou atrás de você...
- Se eu for mesmo embora, vou me perder de mim.
- Essas vozes...
- Fica aqui hoje?
- Não posso.
- Nem eu...
- Mas não vou te esquecer.
- Nem eu.
- Já é hora, então?
- Como vamos saber?
- Eu vivo uma vida inteira sabendo de quase nada.
- Mas ninguém sabe. Só há quem finja melhor...
- Nunca vou saber a hora de te deixar.
- Todas as despedidas são feitas de dúvida e nostalgia.
- Se formos embora estaremos numa cena de teatro?
- Teatro bem amador.
- Amador, amador... Ama e dor, amado, ama...dói.
- É justo. Adeus.
- Adeus.


Sem glória nem encanto, é o fim do último ato de nossas vidas.