sábado, outubro 17, 2020

 São Paulo num dia de chuva, eu a um passo de me atrasar, mais uma vez. 


 - Oi moça.

 - Oi! Bom dia! 

 - A mala cabe aqui no banco?

 - Cabe sim. Tranquilo. 


Ele me oferece álcool em gel, nada de balinhas. 


 - A senhora vai pra onde?

 - Pra Minas. Vou ver meus pais. 

 - Olha só. Eu também sou mineiro, de BH. De onde a senhora é?

 - São Sebastião do Paraíso. É mais pro Sul de Minas. 

 - Conheço também. Tenho família em Cássia. 

 - Ah, jura? Que coincidência. Legal. 


Acabo me entretendo procurando o e-mail da passagem, e conferindo se meus documentos estão na bolsa. 


 -  Na verdade a família da minha mulher que é de Cássia. 

 - Ah sim. 

 - É...


Breve silêncio e trânsito na 23. 


 - Eu a conheci em Cássia. Num ano novo. Era pra ter passado a virada no Rio com alguns amigos, mas não deu certo. Acabei indo pra Cássia com minha irmã. Ela namorava um cara de Cássia na época. Ela e ele terminaram, mas eu nunca mais larguei minha esposa. 

 - Que bom que não deu certo pra dar certo, né? Se conheceram no Ano Novo e já ficaram juntos assim?

 - Foi. A gente teve uma coisa. A conheci no dia 28. Dia 28 pra 29, de madrugada. Ficamos juntos todos os dias lá. Na volta, ela ficou em SP e eu fui pra São José dos Campos, eu morava lá. Nunca deixamos de nos ver desde então. 

 - É. Parece que era pra acontecer... Tem muito tempo?

 - 8 anos. Foram 3 e meio de namoro e estamos casados há 4, quase 5. Temos uma filha. 

 - Legal. Fico feliz por vocês.

 - Quando eu conheci ela foi diferente de tudo,  sabe? E eu tive muitos relacionamentos antes dela...e eu soube. 

 - Amor à primeira vista? 

 - Um pouco. Depois a gente vai conhecendo e vai entendendo mesmo. Desanima com umas coisas, anima com outras...mas é que fica gostoso ficar junto, daí vai ficando. 


Silêncio mais uma vez. Olho meu celular e me amaldiçoo mentalmente por nunca sair adiantada. 


 - E a senhora?

 - Eu o que?

 - A senhora é casada? 

 - Não, não sou. 

 - Parece jovem também. 

 - Agradeço, mas não sou tanto. 

 - Mas não tem nada?

 - Nada? Hum...Eu namoro. Mas tem pouco tempo. 3 meses só. Quase 3 na verdade. 

 - Muito no começo mesmo.

 - É, às vezes parece que sim, às vezes parece que já tem muito tempo, é intenso...Vamos ver. 

 - A senhora costuma namorar? 


Dou risada. 


 - Costumo. Mas meus namoros não duram tanto. Meu máximo foi 2 anos. E tive alguns que duraram quase isso. 

 - Ah, entendo. Eu também não costumava ficar muito tempo com alguém. Meu namoro mais longo antes da minha mulher teve 9 meses. Minha mulher não, ela já teve um namorado de 6 anos antes de mim. 6 anos. 

 - Nossa! 

 - É. Mas eles não tinham a intimidade que a gente tem não. Namoraram 6 anos e a mãe dela nunca gostou do rapaz. Ela nunca tinha ido dormir na casa dele e nem ele na dela. Eu não. Na segunda visita à minha esposa, na época recém namorada, já dormi lá. Minha sogra sempre gostou de mim, desde o começo. 


Percebo o tom muito orgulhoso em sua voz. Era importante saber, ou pelo menos acreditar, que ele era a pessoa mais íntima que sua mulher já teve. 

Eu não sei quantas vezes eu tive certeza de que fui a pessoa mais íntima na vida de alguém. Passei por muitos relacionamentos com medo de ser só um “remendo”, um relacionamento que tem utilidade de tentar curar dores antigas...Ou uma substituta. 

E o contrário também. Passei por muitos dos meus relacionamentos me questionando se era eu quem estava encaixando namoros na minha carência ou algo assim. Tive meus momentos imaturos tentando descobrir o amor. Curiosamente, julgo-me hoje como alguém madura tentando o mesmo. 


 - Quando é a pessoa, o tempo passa rápido, você nem vê. E é diferente também. 

 - Imagino. Mas conviver não é fácil, né?

 - Não. É bem ruim. Mas sem a pessoa fica pior. A liberdade fica vazia se fica muito tempo longe...perde a graça. E é bom também a cumplicidade mesmo. Acho que o segredo é não deixar de mostrar pra outra pessoa que ela é especial pra você. 

 - Entendi. Acho que entendi. 


Quase chegando ao meu destino e o telefone dele toca:  


 - Mas de novo? Eu já falei que to com passageiro. Eu vou te ligar já já, mas que coisa. Tá, eu não esqueci, eu vou comprar. Tchau. 


tempo. 


 - Oh moça, esquece. Viver junto é uma bagunça. 


Então é isso? Fazer a outra pessoa se sentir especial em meio ao caos? Conseguir se sentir especial em meio ao caos? 


....


Parece uma bagunça mesmo.