segunda-feira, setembro 28, 2020
O que as flores escondem na primavera
domingo, setembro 06, 2020
Aeroporto em meio a uma pandemia e uma mulher chora. Chora muito. Copiosamente. É um choro com barulho, desses em que se falta o ar e o mundo ao redor não existe mais. Já sentiu isso? Uma dor que não dá pra controlar. Uma dor que foge do comportamento social, não se pode disfarçar quando somos esmagados por um elefante de existência. Uma dor que suga completamente a sua razão.
Penso que alguém se foi. Penso em quem eu poderia perder para me sentir daquele jeito. Porque eu já perdi alguém e já me senti daquele jeito. Lembro de perder o movimento das pernas, do peito querer ir de encontro ao chão. Desconhecidos tentando me ajudar e nenhuma palavra saía da minha boca. Se eu as proferisse, aquilo seria real e eu não queria que fosse. Tudo em volta fica lento, você visita um purgatório no que acha que é a realidade.
Mas bobagens passam pela minha cabeça também. E se aquela mulher teve problemas com um vestido de noiva que foi extraviado e era a gota final pra arruinar um casamento que já havia perdido tanto e que quase não acontecera? É isso. Há situações assim aos montes. Achamos que é importante demais e depois passa. Tomara que ela só tenha perdido um vestido e que ainda possa rir desse momento um dia.
A dor de perder alguém nunca se transformará numa lembrança boba. Nunca.
Depois de muitos contratempos, consigo pegar o vôo...O olhar das pessoas mudou muito: agora pessoas se olham como se a presença do outro fosse uma ameaça à sua vida.
Penso então no quanto somos primitivos e maquiamos esse comportamento ao longo dos anos. Civilidade. Existência. Consciência. Uma maquiagem muito pobre, já que o que nos move, continua intocado. O desejo pelo poder, sexo, prazeres...ou a busca de um significado pra se estar vivo. As dores mais latentes também, essas não se maquiam.
Dormi muito pouco, mais uma vez. Penso em descansar no vôo, me ajeito pra um cochilo. Fones de ouvido, e dessa vez ignoro meu livro. Fecho os olhos e respiro fundo, peço gentilmente que meus pensamentos me deixem em paz.
A aeromoça chama: Aviso muito importante!
Um homem se levanta. Fica nervoso ao lado dela, pega o microfone e se declara para a amada que está entre as últimas fileiras. “Momentos simples são incríveis ao seu lado, quero tê-la como companheira para o resto da minha vida.” O homem segue com a caixinha vermelha até o fundo do avião. Aplausos tímidos, todos parecem cansados. O casal se beija apaixonadamente. Penso comigo que espero mesmo que eles sejam felizes.
Falhamos muito, somos cruéis. Mas também somos amorosos e sensíveis.
Viver é se escorregar por um poço de lama sem saber quando vai dar pé...
A suscetibilidade humana me intriga.
E me emociona também.
Já se sentiu quase feliz?
Temo estar nesse cenário.
Explico melhor.
Há um muro. Alguém anda sobre ele. Lá em cima o clima é bom, o vento toca o rosto com uma delicadeza que beira o amor. Você está no lugar em que queria estar. É quem consegue ser. Pudesse, silenciaria seus pensamentos...
Está certa de que a felicidade está ali.
Mas não pode.
Teme o gesto.
O menor equívoco pode fazer-te rolar pelo desfiladeiro.
Tudo a perder.
Não é insegurança, não. É diferente.
No fundo você sabe que não se pode evitar o grosso de si por muito tempo.
O denso.
O difícil.
Você sabe que relacionamentos demandam trabalho, mas não sabe se alguém aguentaria por ti o que você aguentaria pelo outro.
Você não sabe dizer se, caso fosse outro, aguentaria o que teriam de aguentar por ti.
Você não sabe mais como aguenta o que está em si.
Aguentar é um verbo horrível.
Lidar.
Então...assobiar.
Quando não se sabe qual movimento fazer, não faça nenhum. - ouvi isso uma vez e não me lembro onde.
Crio música.
Fico parada por um tempo e entendo que não há conforto genuíno em se equilibrar com tanto medo.
Desço do muro.
Me fiz andando em terra firme, apesar da leveza.
A minha consciência me cobra o preço.
E eu aceito.
Eu o pago.
Ter uma quase-felicidade é não ter felicidade alguma.
Ter um quase apoio, já é rolar pelo desfiladeiro.
Quem constrói muro, não quer companhia.
Você quer companhia?
Assobio e ando, inteira.
Vou construir meu abrigo.